sábado, 18 de abril de 2009

Ele era tímido, tinha um olhar sereno e sorridente. Parecia uma criança. Um pouco desajeitado, de estatura baixa e magro. Quando entrara naquela loja olhava-o sempre com um sorriso. Sorria sempre. Nunca houve um dia em que o seu sorriso não o contagiasse. Haviam dias em que contava uma anedota, pagava os discos e ia-se embora, despedindo-se sempre com um sorriso. As visitas eram diárias assim como os sorrisos e a compra de discos.
Chamava-se David. Tinha a mesma idade, era estudante de letras na Universidade da cidade. Tinha vindo de muito longe e não queria sair dali. Planeava a sua carreira profissional no local. A cidade, tal como ele dizia era demasiado reveladora, demasiado encantadora para a abandonar e voltar para um local onde as possibilidades de ser feliz eram reduzidas a meia dúzia de casas, uma família ausente, e à ignorância.
Os tempos quentes haviam chegado e com eles as férias. Estava de férias, porque tinha direito a elas, porque se havia esforçado durante todo o ano. Tinha sido aumentado, pela prestação de um serviço de qualidade. A sua eficiência e competência haviam convencido o seu patrão, dando-lhe direito mais tarde, a uma reformulação das suas competências dentro daquela pequena loja de música.
Nesse ano, as suas primeiras férias foram passadas na cidade. Deslocou-se à praia, mas acabara por desistir. As noites eram sempre passadas ao pé de amigos que tal como ele dispunham dos mesmos gostos musicais. Ficava sempre a dormir até tarde.
Hoje com 36 anos de idade, ainda sente o cheiro a tabaco que ficara na roupa depois de uma noite bem passada. O poder desinibidor que o álcool tinha, fazia dele um comunicador nato, e muitas das vezes fazia-o subir para as colunas de algumas danceterias por onde havia passado. As ressacas, as lágrimas, as noites mal dormidas e as paixões pujantes que sentia, faziam parte da sua juventude, faziam parte daquela cidade.
Mas tudo passara. Todo o sentimento tido até então haveria de passar e dissipar-se de uma forma ordeira e sem provocar grandes danos. O tempo haveria de se encarregar de o ensinar a tê-lo como único e igual a todos os outros.
Conhecia-os de há muito, ouvira falar neles desde pequeno, mas as músicas que conhecera não eram suficientes para lhe darem volta à cabeça e passarem a ser a coisa mais fantástica que conhecera nos últimos tempo.
Foi numa tarde horrível sem grande coisa para fazer, que ele havia tido a oportunidade de os conhecer. Chamavam-se Beatles, conhecia uma ou outra música. Eram uma espécie de o melhor de, tendo o vinil duas versões: uma delas azul e a outra vermelha. Recorda vivamente as maçãs que se apresentavam inteiras nos lados A e as metades das mesmas no lado B. foi aprendendo a gostar desses discos, foi aprendendo a ouvi-las e a perceber o seu poder esfuziante.