segunda-feira, 7 de abril de 2008



Cambaleando chegou a casa. Meteu a mão num bolso e depois no outro e tirou as chaves. Abriu a porta de acesso ao edifício e, de seguida, a de acesso à entrada de sua casa. A entrada estava obstruída por caixotes de papelão e outros de madeira, uns cheios de livros e outros de discos de vinil, por ordem alfabética. Mais à frente alguns jornais com notícias importantes, recortes de revistas e, até mesmo, fotografias tiradas pela polaroid que lhe havia sido dada em troca de um favor, um pequeno favor. Em frente, a sala, matizada de beatas e salpicada de cinza, velas, alguns paus de incenso desfeitos, livros espalhados, copos, alguns partidos e 10 ou 12 garrafas de uísque tristemente vazias.
Encheu mais um copo, lentamente foi bebendo e olhando em redor, estava perdido, naquele momento parece ter-se esquecido da razão pela qual veio com pressa até casa. Tinha a sensação que se estava a esquecer de algo, mas não sabia muito bem de quê…
Colocou o vinil na engenhoca sonora e tudo naquele momento se havia transformado, a vida com música sabia de outra maneira, mesmo que esta não tivesse agora muito sentido. Ouviu talvez as primeiras 3 mas antes de chegar à última faixa já dormia bêbedo e esgotado.
Ainda meio ébrio acordou no meio da sala. Aprumou-se, e acendeu um cigarro, os olhos
semicerrados, estranhavam a luz do sol que ingressara agora na sala e denunciava a imundice em seu redor. A campainha tocara e rasgava naquele momento todo o silêncio que se fazia sentir. Levantou-se, verificou pelo monóculo que era o carteiro e mais uma carta lhe fora entregue. A segunda!

De rompante, correu em direcção à mesa, pegou na carta esquecida no dia anterior e comparou a caligrafia com a agora entregue pelo carteiro. Eram iguais, era a mesma pessoa.
O envelope foi rasgado vorazmente, procurou os óculos, acendeu mais um cigarro e sentou-se no sofá.

A vida só nos dará a devida recompensa, se o amor que lhe dedicarmos for suficientemente forte. Mas, a tua dedicação sempre foi demasiado generosa e forte meu amor, sempre te opusestes aos demais em troca do teu amor. Salvaguardaste a nossa estranha forma de amor como se de um segredo mortal se tratasse.
Não te julgo por isso, nem te falo sequer nos momentos em que me deixaste só, apenas que fosses capaz de me dizer na cara. Mas isso não tem importância, o amor que sinto por ti supera isso e muito mais.
Ainda hoje penso como estarás, preocupo-me com o teu bem-estar e choro desalmadamente a tua ausência. Ainda te amo, e sei que me amas também, consigo senti-lo (…).


Se haviam coisas estranhas, esta carta era de certo uma delas, não conseguia entender a quem pertencia a carta, quem lhe havia escrito? Qual o amor que ele salvaguardou como se de um segredo mortal se tratasse?
A carta não era decerto para ele, bastou-lhe ler aquela primeira parte para se aperceber que não era o destinatário, não podia, não fazia sentido de todo.
Largou a carta aberta e a outra fazendo-as cair no chão. Dirigiu-se à casa de banho e tomou banho na esperança de que este o regenerasse.