sábado, 21 de junho de 2008





Os espirros eram provocados pelo excesso de pó que tirara das prateleiras, mas a vontade era demasiado animadora para parar por ali. A tarde toda fora dedicada à limpeza, e a noite para ligar a televisão, decorar as paredes com os quadros que ele próprio pintou, e perder-se na nostalgia que as fotografias e a música que lhe haviam trazido. Como era bom animar-se com qualquer coisa. O certo, é que ele já não pensava mais em coisa alguma, apenas no seu conforto. Naquele momento sentia que ter a casa agradável era o essencial para se sentir bem, e talvez recomeçar uma nova vida, quem sabe…
Ia abrindo ao longo da noite as caixas, onde guardara tudo o pouco ou quase nada de uma grande história de vida. A sua!
Finalmente, encontrou o que já se havia esquecido de procurar, “The Queen is Dead” , um cd que lhe fora oferecido por um outro pequeno favor. Colocou o cd, e repousou no sofá, cansado e esgotado.

sexta-feira, 20 de junho de 2008



A vida tem destas coisas e para ele, isto não o surpreendia de todo. Não conseguia afastar o pensamento das cartas que tinha recebido. Enquanto se secava, reparava que a sua cara apresentava um péssimo aspecto, as olheiras sobressaíam da cara um pouco enrugada e sem cuidados, o cabelo forte mas liso, tinha agora umas pontas espigadas que reluziam ainda mais do que os cabelos brancos, há muito que precisava de um corte para o endireitar. Os 36 anos pareciam pesar, e o aspecto desmazelado era o resultado de uma vida cheia de despropósitos e concupiscências que lhe abrilhantavam o momento mas que o enfraqueciam lentamente, pouco a pouco, devagar.
A carta que recebera nessa manhã deixou-o um pouco indignado. Para quem tinha sido escrito as cartas? Quem seria o felizardo que amava e era amado? Alguém tinha acabado um relacionamento? Qual a razão? Todas estas perguntas permaneceram durante todo o dia na cabeça dele.
Vestiu-se, preparou um café bem forte e ao passar para a cozinha reparou que na entrada ainda haviam vestígios da sua mudança de casa. Desde que se mudara que não tinha alinhado as tralhas, pendurado os quadros, ligado a televisão, nem organizado um único vinil na prateleira. A casa precisava de uma limpeza antes de começar a arrumar toda a tralha, pensava.
A vida agora tinha um gosto diferente, para além do hálito a tabaco e álcool, a mente parece que se havia curado, talvez do sol ou da carta que tinha recebido.
Estar parado não fazia sentido, a casa precisava de estar limpa para poder organizar e arrumar tudo. Aproveitou a saída para o almoço para fazer compras para casa inclusive produtos de limpeza. A casa era tão engraçada, tinha encontrado a casa dos seus sonhos, pequena, com uma varanda na sala e uma cozinha com tudo o que era preciso, e para completar a boa escolha, a localização que era magnífica, tudo o que ele sonhou, uma casa com uma varanda virada para o mar. Há 3 meses que se havia mudado, estava à espera de quê? Pensou.
O restaurante era bem perto de casa, pequeno mas com bom gosto. O almoço foi feito com direito a música, quando menos esperava a música tocou. "There is a light that never goes out", fazia-se ouvir em todos os cantos do pequeno restaurante, como era bonita esta música. Lembrou-se que o vinil dos Smiths deveria estar algures misturado na confusão. O alento tornou-se óbvio, e a vontade ainda mais evidente. A casa tinha que ser asseada!
O supermercado também era próximo, adquiriu alguma comida e os produtos de limpeza, estava determinado a dar um rumo e um novo cheiro à sua vida. A sua casa ficava numa zona central da cidade, a varanda virada para o mar, disponibilizava a melhor das sensações para ele. Sempre gostou do mar, de alfândegas, navios e do cheiro a peixe. Aquela varanda seria o local ideal para amar alguém.