sexta-feira, 5 de dezembro de 2008


Que amor sem paixão poderia resistir? Que homem ou mulher consegue disfarçar a sua natureza? Seria apenas uma opção? Como poderia ele optar por algo que nunca soube que existira. Gostar de pessoas do mesmo sexo ia ao encontro dos seus desejos mais íntimos, mas de forma alguma queria que estes se fizessem transparecer para o exterior. Qualquer sinal seria o seu fim. Era provavelmente anormal, anormal ao ponto de não servir para nada, nem para fazer um filho, com gosto. A possibilidade de ser feliz era demasiado macabra, essa possibilidade não existia. Estava condenado e não sabia porquê.


A fuga foi concretizada, estavam com medo do que poderiam encontrar, estavam com muito medo, na realidade. A Cidade tinha mais de 8 milhões de habitantes. A diversidade cultural era tal que ao início parecia-lhes tudo demasiado confuso. Havia necessidade de começarem a trabalhar, havia necessidade de encontrarem um local para descansarem, para dormirem. O dinheiro que haviam levado com eles não era nada mais do que duas ou três rendas correspondente à pior das casas. Era necessário encontrar urgentemente um trabalho. Precisavam de dinheiro. Arranjaram um local para poderem ficar. Um quarto, um quarto de banho e uma pequena cozinha. O espaço era demasiado pequeno para uma pessoa e sufocante para duas. Joana encontrara inicialmente uma pequena ocupação: lavava cabeças e varria os cabelos cortados de um salão de beleza de luxo no centro da cidade. Ele trabalhou num restaurante, onde ajudava na cozinha.
Ao mesmo tempo que iam conseguindo sobreviver, iam-se conhecendo melhor.
Gostava muito de Joana, e viver com ela poderia ser a coisa mais bonita do mundo, como a coisa mais egoísta. Ele sabia que mais tarde ou mais cedo lhe havia de contar, não daria para esconder durante muito tempo. Há medida que o tempo ia passando o amor transformara-se num outro tipo de amor, num amor embaciado, sem carnalidade daquele quando nos referimos aos nossos pais, aos nossos irmãos. Era a pessoa ideal para confiar, para brincar e talvez até casar, mas não era de todo a sua fonte de prazer animal perfeita, precisava de uma outra fragrância, talvez aquela que permanecia adormecida e insistia em ficar sob uma forma tão disfarçada como desprezivelmente verdadeira e cada vez mais insinuante.

Foi aos 20 que conseguiu fugir de casa, e para lá nunca mais voltar. Até hoje, recorda toda a sua infância tentando lembrar-se apenas das coisas que o marcaram pela positiva, mas era difícil.
Joana era uma das coisas boas que recordara, mas não a suficiente para esquecer tudo o resto. Os amigos, os primos com quem conviveu, alguns tios e tias, mais nada. O resto foi frustrações de uma criança sem carinho e retaguarda por parte do seu pai e da sua mãe.
Na adolescência, descobre a sua homossexualidade, apesar de a admitir bem mais tarde. Era diferente, ele sabia-o, mas não o quanto e de que forma.
Nessa altura, lembra-se perfeitamente das conversas que tinha com os seus colegas. Aos 19 já todos tinham experimentado a doce sensação do primeiro contacto sexual. As raparigas faziam parte das conversas e dos sonhos secretos de todos, menos dos dele.
O amor de Joana por ele existira desde cedo, e por ele fugiu também, deixando para trás a sua terra e os seus pais. Não poderia deixá-lo fugir sozinho. Não poderia viver sem ele.
Delinearam tudo. A hora, a forma como se deslocaram e até mesmo para que local. O sul do país fora o escolhido. O mar atraía-os tal como muita gente. A cidade era a maior do país e sua capital.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008




Falaram sobre quase tudo. Falaram nela, nele, nos outros, nos próximos, nos mais afastados, nos que já não viam há muito e nos que nunca mais poderão vir a ver. Finalmente e depois de jantaram, começaram a falar neles. O assunto era o menos apetecido naquele momento para ele, mas para ela, era o momento de que há tanto tempo esperava. O momento certo havia chegado, não poderia deixar fugir a oportunidade. Dirigiu o seu olhar na direcção dele, começou por proferir algumas palavras que iam saindo, ao princípio meio confusas, mas depois foram tomando o seu equilíbrio natural, fazendo passar assim, toda a sua convulsão de sensações.
Arrastou a sua mão até à dele, apertou-a com um pouco de força e insistiu em perguntar-lhe porque lhe fez aquilo. Começou a chorar. Já sabia a resposta. Ele olhou-a nos olhos e disse-lhe que já lhe havia explicado, na altura não sabia muito bem a forma, mas acredita que a vida lhe tenha ensinado a viver com aquela realidade.
Ele viveu durante a sua infância numa pequena cidade do interior. Ratury, era uma cidade pequena em todos os aspectos. Desde cedo que ele sentira que não pertencera ali. Algo estava errado e ele sentia-o desde sempre. Os anos foram passando e ele foi crescendo. Cresceu rodeado de terra, e do ar. Cresceu rodeado da mediocridade e da ignorância, assistiu e foi vítima de maus tratos, machismo e outras coisas mais. Viveu assim, durante muito tempo. Joana era uma bela rapariga, uma das mais belas da pequena cidade. Com ela criou laços de ternura, amor e amizade. Joana ficou gravada na memória dele como sendo uma das poucas coisas boas que lhe haviam acontecido em Ratury. Aos 18, fugiu de casa. Tentou fugir de tudo e de todos, mas desta vez sem sucesso. Não foi muito mais longe do que a cidade mais próxima. A fome assolou-lhe a mente e deixou-o completamente vencido. A insegurança foi outra das causas. Nesse dia, em vez de uma conversa que poderia ter tido com os pais, esta foi substituída por uns açoites até perder os sentidos, falecido de fome e cansaço. Mais tarde, tentou o suicídio, atirando-se de uma ponte, a única da pequena cidade. Não era o suficientemente alta. A solução seria tentar desta vez, uma fuga. Para sempre.